MEMÓRIAS DE
MINHA MÃE
Minha mãe Marta, certo dia me contou:
“ - Foi depois da guerra, em 1947. Nos fundos do asilo, era o nosso colégio.
Dona Rosinha, a Carmem e a Sibila eram as professoras. Havia minha colega Nair,
o Ivo e a Leda... Mas, nós não gostávamos da aula, queríamos era brincar com
uma velhinha destrambelhada que tocava gaitinha de botão e cantava. A Periquita,
assim a chamávamos. Tinham construído um balanço pra ela e nós dávamos pedaços
de bolo e balas pra que ela cantasse versos pra nós. Periquita morava no
asilo... Às vezes ela estava triste, chorava, não contava pra nós o porquê.”
Minha mãe também estudou em uma escola
municipal que funcionava na casa que serve de base para os fiscais municipais
de trânsito junto à Praça Borges de Medeiros na Rua Júlio de Castilhos. A
chamada Praça da Caixa d’Água. Pois ali frequentavam o terceiro ou quarto
colegial ela e seus colegas Nair e Ivo Schmidt. Coisa é que a Praça Borges de
Medeiros abrigava já na época um edifício de um andar construído em 1924 em
estilo neoclássico. Essa construção, seguindo padrões arquitetônicos franceses
foi erigida para abrigar o parque de bombas centrífugas responsáveis pela
pressão da água bombeada desde a parte baixa da cidade, onde se localiza a
estação de tratamento, até a parte alta da cidade. Pois. entre os pilares dessa
construção que possui um terraço verde, minha mãe sua inseparável amiga Nair e seu amiguinho Ivo se escondiam. O
intuito deles não era outro que não o de espiar sua professora dona Carmem
foder em pé com um engenheiro francês que periodicamente vinha verificar os
reparos e melhoramentos nas bombas instaladas. Aproveitando pra desentupir o
encanamento da professorinha.
Eis que no verão de 1948 um grande circo ocupou
o espaço então vasto da praça Borges de
Medeiros. Lá se instalou com suas lonas coloridas, bandeirolas, flâmulas &
bandeiras. Havia jaulas de animais exóticos. Macacos chimpanzés, leões, tigres,
etc. Um enorme elefante asiático permanecia amarrado pelo pé a uma corrente,
próximo a lona principal... Minha mãe e seus amigos inseparáveis no ímpeto dos
dez anos todo dia iam olhar os bichos, o circo, e se compadeciam de ver os
animais presos. Naturalistas precoces e involuntários, adeptos – mesmo sem o
saber da causa ecológica, resolveram certa tarde, depois da aula, abrir as
jaulas e dar fuga aos animais. Assim fizeram... E por primeira vez o pandemônio
se instalou pelas ruas da diminuta cidade. Nossos heróis, entre medrados e
satisfeitos evadiram-se sem um único arranhão, enquanto bombeiros, policiais,
funcionários do circo e os munícipes mais corajosos tratavam de recapturar os recém-libertos.
Se conseguiram? Até ontem ninguém sabia dizer ao certo.