O FANTASMA DE ANTONINHO
[...] a velha beata Candoca (dona Enedina Pureza Rodrigues) dava
dinheiro, às escondidas do marido, ao filho Antoninho. Antoninho era um
andrajo. Esmolambado, batido, surrado... Curvado sob um peso invisível aquela
criatura fora escorraçada pelo pai Antônio, o Catimbau. Dono de armazém,
padrinho de minha mãe.
Vez ou outra, Antoninho, aquela figura melíflua vinha de Porto Alegre.
Amarfanhado, encolhido, as mãos trêmulas, soturno, medrado. Rastejante na sua
condição de homem humilhado pela ignorância gnóstica cristã contra o
homossexual. Assim se apresentava Antoninho, vergado sob seu fardo, a fronte voltada
para o chão.
Eram os anos setenta. Tenho lembrança da figura alta, ossuda, de
cabelos e olhos claros e ralo cavanhaque. Recordo seus trajes um ou dois
números maiores, desconjunto, e seus tiques neurastênicos: A voz hesitante num
fio, cacofônica. O olhar irrequieto e miúdo. Temeroso como o de um cão
enjeitado e faminto. Suportando quase indiferente já um passa fora atrás do
outro. Um famélico cão cujo orgulho dissipou-se no éter porque entre os sem
eira nem beira não há nenhuma esperança. Nem sobeja a menor das alegrias a não
ser a cachaça. Vivem de restos. Do
despejo alheio. Das sobras, de remendos, de memórias que pertencem a outros,
alheios a partilhar qualquer coisa consigo...
Na dureza altiva e límpida dos meus sete anos pouco se me importava à sorte
de Antoninho. Seus dissabores. Nos meus heroicos sete anos queria saber das
goiabas, bergamotas, nêsperas e maçãs do grande pomar na casa do Catimbau...
Porém, hoje, nesta manhã chovediça e fria, devoto um pensamento a esse fantasma
que o tempo consumiu. Sem, no entanto, fazer com que eu o esquecesse. E, pelo
cristalino dos olhos de uma criança, de um menino de sete anos, o tímido
Antoninho vem espiar mais uma vez este mundo. Talvez agora esteja ele menos
assustado; quem sabe? Talvez agora finalmente esteja em paz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário