O
DESANIVERSÁRIO
Os “desaniversários” são etapas quase
transcendentes na vida de uma pessoa. Quando exatamente começam é variável. As
mulheres por uma questão estratégica, ou logística, principiam a conjugar o
verbo “desaniversariar” muito mais cedo. Aos 30, 31, quando geralmente irrompem
os primeiros fios brancos em suas madeixas. Um pouco mais tarde talvez, pelos
34 quando se encontram na fase da vida feminina tipificada por Honoré de
Balzac, e, tendo por isso ganhado a alcunha de “balzaquianas”. Momento em que
as rugas dão o ar de sua graça para desgosto das mulheres. O que absolutamente
não lhes tira o viço. “Au contraire!” Como diria o escritor francês
supracitado. Empresta-lhes um que esplendor, de vivencia, de sagacidade. Porém,
as mulheres não se convencem facilmente disso. E um arsenal cosmético se lhes
acorre prometendo recompor um tônus epitelial adolescente. Coisa que não será
jamais verdade... Ah, os desaniversários. Motivação para eles não nos falta. A
ampulheta do tempo escoa-se num único sentido. Sempre em frente, incessante.
Mas, como dizia, todas as pessoas, homens e mulheres, n’algum momento
principiam a praticar a “arte do desaniversário”. No caso dos homens, também a
vaidade, estranha e maneirista compulsão que lhes acomete, impele aos xirús
velhos a certa altura da vida, recorrer “ao truque” para melhorar sua
aparência. E, diferente das mulheres experientes no uso das “armas” cosméticas
meus congêneres tendem ao exagero senão pelo excesso, pelo despropósito. Assim
velhos senhores com perucas mal ajambradas e maquiagem desfilam tranquilamente
a luz do sol, crentes de que estão ostentando uma “leve” maquiagem corretiva,
próximo, muito próximo ao que seria natural. E sobre qual fator recai a culpa
desse pecadilho maneiroso do dandi candidato a “Beau Geste”? Sobre o danado do
DESANIVERSÁRIO. Porque meus congêneres ao chegar das neves na barba, ao
encurtar das vistas, ao sofrear dos ímpetos se põem alertas como cusco de
guarda. E essas coisas, esses sinais da intempérie “sic transit” – da vida
passageira, nos vêem cedo, muito cedo às vezes. Eu mesmo, aos trinta já possuía
grisalhos na barba hirsuta, característica semita da descendência misturada.
Então, o desaniversário começa na flor da idade. E qual seria essa idade?
Talvez a idade presumida. Ou a acreditada. Ou ainda a idade sentida, na
esperança de que os dias se alonguem. Porém, o alongar-se dos dias por si
mesmos e para si mesmo que sentido tem? Nenhum, respondo assim sem titubeio.
Porque o tempo é justo somente na ação decorrida em prol do outro. Existo
porque o outro existe, a essa troca interpessoal os filósofos apelidaram
“alteridade”. Existo para experimentar a vida e amar minha companheira. Existo
para amar minha família e meus amigos. Existo para servi-los, para dividir com
todos esses o fardo inóspito, acre, difícil de procurar respostas para tudo.
Para o tanto enorme do que eu não sei. Assim, meus desaniversários começaram a
contar a partir de hoje. Não desejo me perder em demora, chegar mais e mais dentro do tempo e mais fundo. Quando
o peso da jornada se fará penoso, difícil, trágico quiçá. Não desejo persistir
“ad eternum” na ânsia mui egoísta de desejar viver quando esse viver – do modo
costumeiro e conhecido, já não for minimamente proveitoso a ninguém e não sirva
para mais nada. Não. Desejo apenas a justa medida. Bem pesada e recalcada.
Tempo bastante para abraçar a vida, conhece-la um tanto. Desassombrar-me e
partir dela sem deixar nenhum rastro que não essas migalhas que se tem por
lembranças e por saudade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário