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Sim havia uma linha férrea. No começo da história, bem como em princípio de estórias há quase sempre uma linha férrea. Leva a algum lugar. A alguma circunstância. Á Passárgada onde Manoel & Mário moram às custas de um rei. Á Polônia de Frederic Chopin para onde seguiam trens abarrotados de judeus até Aushwitz, Dachau, Treblinka... Sim. Havia uma linha férrea que atrapalhava o trãnsito de automóveis passando no meio da cidade nanica. Pudesse eu tomaria o trem como fiz nalgumas vezes pela mão de minha mãe e minha avó em direção á Santa Maria. Pudesse tomaria o trem à Passárgada beber um trago com Manoel Bandeira & Mário de Andrade... Não é possível. O trem passou. Se lhe arrancaram os trilhos e os velhos dormentes de eucalipto viraram mourões, lenha, cinza... Tudo se transforma nisso. Cinza - pó. Há somente a linha férrea memorável. Uma lembrança saudosa e não menos útil por ser lembrança tomada de cargas de pieguice e outras "chanchadas" emocionais que acometem os humanos. Dá-lhe carvão! Dá-lhe! Havia esse comboio o qual não vi passar. Dormia? Sonhava? Acho que sim. Embalado aos "Noturnos" de Chopin, dormia à larga. Bem podia ter pego o trem, fosse ou não para Dachau, Treblinka ou Aushwitz. "- Vejam! Não tenho o narigão adunco tão marcante na face de meus primos, de meus tios! Vejam! Não sou circuncidado! Isso tudo é um engano!" Eu bradaria entre soluços e risos de histeria enquanto me arrastassem ao crematório. Tudo ao som de Frederic Chopin, sampleado sutilmente aos barulhos de um trem que não passa mais por aqui.
Não. Não haveria consolação. Nunca houve. Nuca pedi consolação. Duvido mesmo que implorasse por minha vida. Duvido muito. Muitíssimo. Provável que investido da cultura local donde nasci me arrojasse sobre qualquer incauto guarda, sem nenhuma esperança vã de escapar, somente no intuito de à morte seguir como me ensinaram: "Topete alto. Terciando ferro com o inimigo. Não morrer solito e entregue como a rês, como o cordeiro. Morrer como o leão: matando. Altivo, sem autopiedade". Se a melancolia me chega às vezes por essa ferrovia invisível não traz consigo o embaraço de esmorecer-me, afrouxar-me, fazer-me uma trouxa à mercê dos chutes dos moleques filhos das lavadeiras. Se a ferrovia onírica me presenteia vez ou outra com os Noturnos de Chopin e faz-me sentir nostalgia do que não vivi não me desespero. Nem temo a morte. Soergo o velho escudo amassado. Apanho o elmo gasto do chão, as grevas, a espada. Pronto novamente. Outra carga, outra luta. Vitória? Derrota? Importa? Isso importa? Sigo a marcha batida. Nos ouvidos de faz de conta ressonam os Noturnos de Chopin. Nos olhos de "aragem" passa uma vista como se fora eu passageiro do velho trem, e, menino me encantasse a paisagem a correr lá fora... Será sempre assim, sem que nunca alguém possa vir me oferecer descanso. Todavia, posso sonhar que fosse diferente. Contudo, para que fosse eu teria de ser cordato com o destino. Prestar-me à ele em libação. Ser imolado pacificamente. Os olhinhos mansos. O semblante resignado e calmo. Não é possível, essa redenção não me alcançará, ou talvez quem sabe, quando for a hora e eu me sentir mui fatigado, somente me alcance pela minha própria mão.
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