Publicações da revista cachoeirense Aquarela: CACHOEIRA DO SUL / JULHO DE 1958 A OUTUBRO DE 1964.
TIA FRANÇA
Oriunda da África, de onde bem moça ainda viera ao Brasil, tia França envelheceu nesta cidade sonhando sempre com as possibilidades de rever a terra que lhe serviu de berço, aspiração essa que só terminou com o silêncio de uma tumba fria e anônima.
Tia França se associava às festas dos "negros minas" (yorubas - da Costa da Mina - grifo meu) com grande prazer animando a todos com uma manifestação toda especial.
Em seu casebre, que era situado nos fundos de onde se acha hoje o edifício do Ginásio Roque Gonçalves, costumava entoar canções dolentes do Congo (Lundus?? - então França não era das Costa da Mina, era de origem Bantu? - grifo meu) despertando e atraindo os transeuntes que ali se detinham a ouvir a alma da terra africana por intermédio da preta Tia França.
Tia França era muito querida pelas crianças pela sua bondade, pelas suas histórias pitorescas (eis o confirmo de que não era de origem Yoruba, dominava o português a ponto de ser compreendida pelas crianças; provavelmente era oriunda da Guiné ou de Angola/Congo - antigas possessões portuguesas. Desde 1491, pelo menos, em solo africano) e principalmente pela sua fabricação de bonecas de pano que eram vendidas a $ 400 (quatrocentos réis) cada uma... (tradição das bonecas Kikondi, costume Bantu. Originalmente confeccionadas em fibras vegetais e entregue às mocinhas casadoiras logo após aprimeira menstruação - menarca. Isso fecha questão. Tia França era de origem Bantu e não Mina - Yoruba)
Revista Aquarela: dezembro de 1958.
CASA DOS ESCRAVOS
Onde hoje está situado o Café Frísia (Rua Sete de Setembro esquina com General Portinho) existia lá pelo ano de 1885 um prédio denominado "Casa dos Escravos", que rodeada de varões de ferro, servia de alojamento aos escravos a fim de serem vendidos.
Em 16/12/1857 a freguesia de Santa Maria da Boca do Monte é desmembrada da então VilaNova De São João da Cachoeira e elevada à categoria de Vila.
TIA COMBA
Era uma mulata alta, forte e vendia quitandas e também lavava roupas, cujas trouxas trazia sobre a cabeça envolta num turbante de cores pitorescas. Não gostava quando lhe perguntavam a idade, aliás não só ela... Mas se alguém a chamava de mulher "moça ainda" Tia Comba deixava transparecer inefável alegria.
De descendência africana ela conhecia a arte do batuque, mas não se prevalecia disso para fazer um meio de obter dinheiro. Quando alguém adoecia ou estava em situação de dificuldade prontamente a Tia Comba evocava os espíritos a fim de conseguir o bem para a pessoa. E quando achava que seus propósitos tinham culminado em exconjurar o mal, aceitava sim um presente: uma galinha, um prato de comida, ou outra qualquer coisa, menos dinheiro. (a dupla fidelidade religiosa da hipócrita sociedade cachoeirense é muito antiga. Por outro lado a esperteza de Tia Comba se evidencia: não aceitava dinheiro, mas bens como galinhas etc, que podia facilmente transformar em dinheiro. Em não aceitando dinheiro diretamente nunca lhe faltaria trabalho nem lhe recusariam ajuda em caso de necessidade. Tratando-se de uma sociedade onde o negro era tido na conta de ser inferior enquanto escravo e um estorvo após a abolição a estratégia de Tia Comba foi perfeita para angariar a simpatia das pessoas. Quanto às suas práticas religiosas, tudo faz crer que ela não se tratasse de uma Ialorixá [sacerdotisa Yoruba], tais pessoas tem regras e ritos que demandam uma observância disciplinada muito rígida quanto ao culto e presidência das cerimônias. Tudo leva a crer que Comba se valia de algum conhecimento adquirido por observação, e, quando muito fazia algumas rezas em seu dialeto [Gêge, provavelmente] enquanto benzia os pacientes eventuais - grifo meu).
Tia Comba era pacata, prestativa e respeitadora, motivo porque todos a queriam bem, principalmente as famílias onde trabalhava em qualquer mister. Nos festejos que a seita dos "Quicombi" realizavam em louvor do Rosário de Nossa Senhora, que eram o primeiro do ano, Natal e dia de Reis Magos, não atendia serviços de espécie nenhuma. Se metia no bando, dançando, saracoteando e cantando.
Quando se "chumbeava" um pouquinho demais, desafrouxava-lhe um riso bom, puro que contagiava a gente... (o costume de meter-se atrás do cortejo dos Quicumbis foi prática comum em cachoeira antes e depois da abolição nos anos que duraram as encenações do baile dramático. Não somente pessoas etnicamente ligadas aos negros saíam atrás dos cortejos folgando e se divertindo. A assistência acotovelada nas calçadas acorria em massa. E, tal costume se estendeu depois quando o povo tomou conta das ruas no começo da década de cinquenta para brincar o carnaval).
ARRABALDE DO JACARÉ
O Arrabalde do Jacaré situava-se no extremo leste da Rua Félix da Cunha. Lugar célebre nos anais da polícia por ter vários pontos de reunião. (a referência aqui é principalmente os locais onde os negros Se reuniam para ensaiar os Quicumbis, ou realizar festas de natureza laica. Rodas de umbigada, Bambaquerê, Bumba Meu Boi, etc.)
Revista Aquarela: 15 d novembro de 1957.
QUESTÃO DE COR
Balbúrdia tremenda manifestou-se há muitos anos atrás no Café Restaurante Comercial (Hoje um hotel denominado "hotel Cachoeira" que dispõe de quartos para alugar mensalmente fazendo as vezes de um "flat") de propriedade do Sr. Alberto Trommer então à Rua Sete de Setembro onde não foi atendido um soldado ou cabo por ser de cor preta. (O assim chamado "incidente" e deu por volta de 1926, ano em que foi instalada a Guarnição Federal em Cachoeira , e, a reação dos militares contra o tratamento segregacionista, preconceituoso e injustificado que dispensaram ao militar demonstra quão democrática, e desde muito tempo fora assim, era a instituição do Exército Brasileiro, que sempre ombreou em suas fileiras indivíduos das mais variadas etnias. A lembrar o exemplo de Henrique Dias e sua tropa negra lutando pela reintegração da capitania de Pernambuco à colônia portuguesa. Capitania ocupada pelos holandeses em 1641)
Tal fato originou grande indignação por parte de vários sargentos que irrompendo por aquele recinto obrigaram o proprietário a servir em pessoa os elementos militares de cor preta. Foi preciso a intervenção de altas autoridades da Guarnição Federal para impedir que a agitação tivesse um rumo de consequências gravíssimas, pois já haviam se registrado lutas corporais entre alguns civis e militares.
Revista Aquarela: outubro de 1964.
FOOTING
A população cachoeirense fazia seu "footing" lá por 1912 nas duas mais importantes quadras existentes na Avenida das Paineiras, como popularmente a chamavam, cuja a designação verdadeira é Praça José Bonifácio, sendo uma destinada aos representantes da cor preta, não podendo esses entrar na outra quadra tomada pelos brancos.
Mas, devido a uma série de graves tumultos que tiveram sequência durante vários dias, originados por invasões da zona pelos elementos de cor, ficou abolido tal costume antidemocrático. (A quadra destinada aos pretos era a de baixo. Calçada à margem da Rua Moron. Um ermo escuro, sombrio mesmo nas horas claras do dia).
Revista Aquarela: dezembro de 1963.
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