Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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27 de set. de 2009

NADA DE NOVO SOB O SOL




"Muitos frios estiveram entre nós os festejos em honra e reverência ao velho e popular deus Momo. Apenas um grupo do clássico e galhofeiro Zé-Pereira percorreu as ruas da cidade distribuindo ao público apreciáveis produtos da acreditada fábrica de fumos do Sr. Soares Neto. O jogo do entrudo nestes últimos dias esteve bastante animado na Rua Sete, não chegando ainda assim ao delírio das épocas passadas [sic.]".
O Commercio 20/04/1901. Jornal que circulou em Cachoeira do Sul/ Rs de 1900 até 1970.

O Zé-Pereira ou o jogo do Entrudo citados não se tratavam em Cachoeira de folias democráticas a exemplo do ocorrido no Rio de Janeiro de onde esses costumes foram importados. Os foliões carnavalescos do início do século em Cachoeira constituíam bandos de mascarados trajando fantasias bizarras, integrados somente por indivíduos do sexo masculino pertencentes à classe média alta. Munidos de bumbos e caixas formavam fanfarras a fim de desfilar pelas ruas centrais promovendo algazarras a caminho dos salões e dos clubes sociais, ou das residências particulares de notáveis que promoviam e convidavam para seus chiques bailes de carnaval. O público citado na nota de jornal era a assistência, o contingente que acorria dos bairros às ruas do centro para olhar a passagem dos foliões sem tomar parte.
Quanto ao Entrudo, brincadeira de mau gosto, muito comum no carnaval cachoeirense, tratava-se de uma fuzarca diurna. Por estas bandas o entrudo era instrumento dos fortes e poderosos para afirmação da sua posição social e autoridade. Um exemplo dessa situação nos chega pela voz do colunista do jornal cachoeirense O Commercio, GustavoPeixoto. Ele publicou em sua coluna Cachoeira Antiga no dia 16 de maio de 1945 a seguinte narrativa de um episódio alusivo ao entrudo do qual teria participado quando menino por volta de 1910:

"(...) Mas, o gozo em um banho fosse com limões ou esguichos, o modernismo não pode reproduzir! E ainda mais, aquele pagode, ou por melhor dizer, aquela satisfação em jogar nas negrinhas um pouco de farinha de trigo e em seguida atirar-lhes alguns limõeLimões de Cheiro.Pelotas de cera cheias de líquido perfumado, na melhora das hipóteses.Os esguichos mencionados eram seringas de latão contendo água de rosas e outras substâncias líquidas de odor pouco agradável. s fazendo com que em suas faces negras formasse uma massa branca e grudenta, nunca mais teremos.Como elas, as pacatas e serviçais negrinhas, as morenas de hoje, tinham medo do carnaval com seus guris atrevidos e malcreados [sic.]"
Publicado na coluna Cachoeira Antiga de Gustavo Peixoto do jornal O Commercio de Cachoeira no dia 16 de maiode 1945.
Escrevendo meu livro sobre as tradições afro-riograndenses na rgião central do RS, mais especificamente as sobrevivências do ciclo das Congadas relacionadas com o folclore Bantu que aqui surgiu por volta do século XVIII, e, posteriormente, tendo acompanhado o documentarista Rafael Bavaresco em algumas entrevistas com pessoas negras da comunidade cachoeirense, constato que nada mudou realmente. O preconceito e segregação impostos às classes menos favorecidas pelas elites da cidade continua em vigor. De maneira velada agora mal entrados no século XXI, tão decantada era de aquário, utopias & mumunhas sem compromisso com a práxis cotidiana. De forma sutil podemos sentir a atuação do preconceito no viés dos olhares, no comportamento, nas atitudes estranhas. Por exemplo: agora mesmo atendo no balcão da locadora de meu amigo Sérgio. Ainda há pouco quatro rapazes de origem nordestina que trabalham numa companhia de energia elétrica estavam escolhendo alguns dvds, nisso entra na locadora uma menina de classe média. Sem motivo algum ela dá mostras de estar constrangida, e, não se passa nem cinco minutos seu pai que estava aguardando no carro vem para perto dela, a abraça e olha com estranheza para os rapazes que a essa altura já haviam escolhido os filmes e se iam embora.

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