Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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21 de jul. de 2011

Audi, vide, tace, se vis vivere in pace.

Ouve, vê e cala, se quiseres viver em paz. Antigo provérbio latino, esta era a máxima observada pelos fiéis da igreja católica nos tempos das cruzadas. E muito mais rigorosamente praticada durante o período da cruenta inquisição. Hoje, graças ao iluminismo, ao humanismo e outras correntes filosóficas as coisas mudaram bastante e um rato pode dar-se ao luxo de confrontar um leão sem temor à sua vida.
Quando me propus a iniciar este artigo, minha atual companheira perguntou-me o “por quê” de meu interesse sobre um assunto que não nos afeta diretamente. A pergunta em si revela sua preocupação para comigo no tocante a abordagem de um tema tão delicado. Porém, carrega inconscientemente o desconforto dos muitos cidadãos e cidadãs que não querem, não sabem ou temem simplesmente expressar sua opinião sobre a questão da homossexualidade humana. Por temor às represálias, ou pelo medo atávico que lhes foi incutido por aqueles pretenciosos e arrogantes “guardiões da moral e dos mistérios divinos”.
Caso é que chegamos ao fim da primeira década do século XXI, a contar do advento de Cristo e a Igreja Católica Romana, guardiã primaz da tradição cristã, mantem uma posição ultraconservadora e retrógrada no que diz respeito a uma série de questões sócio-políticas e morais. Impondo aos seus seguidores a observância de um comportamento que ela, Igreja, considera correto, baseada nos afamados preceitos bíblicos. Bíblia essa que nada é além de um compêndio de tradições proto-semitas, egípcias e assírias reunidas num único calhamaço e imposta aos crentes como a palavra de Deus. Que na tradição judaico cristã é um ser de gênero masculino e fez o homem à sua imagem, certamente não condizendo consigo quanto à inteligência. Todavia, diante da postura “nariz de folha” da Igreja no que se refere à vida íntima das pessoas, não há outro modo de agir senão contra-argumentando seus réprobos e condenações (ameaças) dirigidas desde há muito pelo Vaticano contra seus seguidores.
Começo pela homilia, afinal ao examinarmos qualquer manifesto em resposta à alguma idéia que nos pareça injusta e ofensiva, estabelecemos diante dela uma reação. Tal ato pode ser configurado como “revanchista”, pois tais respostas sempre revelam um tom ditoso, mesmo se subliminar, de recalque e desagravo. Acredito nisso. Eis aí a epistemologia da minha erudição de almanaque. Limite entre minha capacidade intelectual e meu “paideuma”. Curta margem de pensamentos nada brilhantes, tampouco originais. Intentando diuturnamente, muita vez sem sucesso, demonstrar a correção de meus pontos de vista e minha boa compreensão das demandas antigas da humanidade lúcida contra o cinismo, o embuste, o mau caratismo. Contra a tragicomédia bufa repleta de falta de respeito com a qual todos os poderesmundanos, governos e religiões, manobram e oprimem “ad eternum” os seres humanos[1][1].
Todavia, há contradição em minha iniciativa: a tentativa de encontrar algum motivo coerente para ser tolerante e democrata conforme minha vocação e princípios. Um esforço para não incorrer no panfletarismo tolo e radical que não aceita opiniões contrárias. Ainda que reconheça nelas algum viés da verdade. Caminho por onde se pode legitimar suas afirmações. Talvez esse motivo possa ser o acatar de um conselho. Um conselho daquele que simboliza o cerne de toda crença católica. Não foi Cristo quem disse pela boca de Lucas: “Todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado!”(?)
Assim sendo digo que não existe razão para exaltarmos aos homens, senão respeitarmos a quem nos respeita em igual medida. Assim digo que pela justa causa do respeito devido ao próximo, pela ética e moral da vida, é nosso dever dizer não àqueles que defendem suas posições irredutíveis de um torreão fortificado através da tonsura dos tratados e da redução das leis às partes cuja conotação em separado, desviando o sentido atingido pelo corpo integral do texto, favorece a interpretação ao acordo do desejado. Devemos dizer não às figuras de retórica úteis, aos hábeis doutores da fé que as manipulam e moldam como cera quente. Aproveitando-se de sutilezas semânticas para torcer e retorcer as palavras, mutilar as sentenças, ou interpretá-las com sentido que lhes convir.
Eis que falo como quem se desculpa, mas não há nisso humildade, nem soberba. Contudo tamanha introdução tem lá sua serventia. Tamanho “nariz de cera” credencia o palhaço como bufão experimentado nessa arena onde distrai as feras e entretém as cortes, os doutos, os santos e poderosos aos quais as ironias do bobo passam como gracejos, embora sejam vaticínios de uma hecatombe que recairá sobre as suas cabeças.
Me espanta a ignorância mastodôntica dos clérigos quando demonstram ou fingem espanto ao serem confrontados por questões como o ultraconservadorismo da Igreja Católica e seu afamado código canônico. Uma ementa de livros escritos por fanáticos do naipe de Urbano II, que exortou multidões de loucos maltrapilhos, como Pedro o ermitão, a seguirem os cruzados até Jerusalém na primeira e insana cruzada. Homens sobejos, vaidosos e mal intencionados que levaram a cristandade à cisão. Doutores eclesiais da cepa infeliz de Agostinho, para quem o ato sexual mesmo entre esposo e esposa poderia se constituir em pecado caso não se observasse as recomendações desse “sexológo” que a conselho da mamãe, santa Mônica, despediu a amante com quem tinha um filho. Demonstrando seu senso de justiça e piedade. Sábios presumidos como Jerônimo, que traduziu o evangelho do grego (septuaginta) e, sem o menor pudor, acrescentou e suprimiu a seu bel prazer o que achou necessário, “melhorando” dessa maneira o original. Doutores tais como Tomás de Aquino (um dos pais da escolástica, que introduziu à ela elementos da ciência de Aristóteles), que pôs como verdade dogmática os estudos e crenças científicas aristotélicas de modo a não contradizerem as Escritiuras. Tomás de Aquino que a exemplo de Agostinho, Bernardo de Claraval, João Escoto, Alberto Magno, Anselmo de Cantuária e tantos outros “supostos celibatários”, disseminaram o pessimismo sexual pagão entre a cristandade. Quando na tradição judaica, origem do cristianismo, não se encontra presença do horror gnóstico ao prazer. Mas, ao tornarmos nossos olhos sobre outras doutrinas egípcias (Ísis é a primeira mãe virgem de que se tem notícia muito antes de haver uma nação judia), persas, gregas, greco-romanas, lá está. Tanto o mitraísmo, o zoroastrismo, os cultos à deusa Vesta, o cinismo e o estoicismo gregos contem as bases de que se aproveitaram os celibatários para condenar o sexo como pecado. Tanto os grandes doutores citados como centenas de anônimos anacoretas e chefetes de diversas ordens religiosas católicas, moralistas inflamados, clamantes do celibato, do cilício e da mortificação da carne pela autoflagelação, infundiram esse temor ao sexo condenando o ato como pecado em diversos graus: do venial (perdoável) ao mortal, digno da excomunhão.
Muitas são as ameaças dirigidas aos fornicadores por esse rebotalho cuja vista grossa não viu sob suas barbas a ignominiosa simonia. A venda de “relíquias santas” ou a venda de “Indulgências”. Papéis timbrados com o sinete da igreja onde anotado o nome do falecido (a) prometia-se à família, contra a entrega de determinada quantia, perdão aos pecados do morto e seu ingresso no purgatório. Caso a soma fosse generosa, mesmo que padecesse no inferno como réu confesso de assassinato, o condenado ao orco passaria sem escala ao paraíso com direito a auréola e tudo mais.
Diante de tanta impostura e velhacaria me causa espanto quando um sacerdote cristão, seja protestante, ortodoxo ou católico romano, convidado a se manifestar sobre a sexualidade humana dá mostras de não levar em conta esses fatos. E, solicitado a falar a respeito da homossexualidade, trate dela como “fenômeno antinatural”. Um “problema”. Desfiando a seguir um ramerrão puído de palavras evasivas sem nenhum significado. Certamente é um seu direito se esconder tal camundongo assustado ante qualquer possibilidade de reprovação, caso não siga a cartilha do Vaticano. Tal direito lhe assiste. Ainda que se trate de uma prerrogativa covarde: abter-se de uma resposta direta, sem rodeios. Franca, à moda de seu Cristo, que mesmo em suas parábolas ia direto ao ponto.
Não, esses prosélitos não imitam seu mestre em nada.
Após mil e oitocentos anos de atitudes reacionárias (no começo o cristinianismo era mais “humilde”) nós não nos surpreendemos quando um padre católico utilizando-se de qualquer espaço nos meios decomunicação, quando questionado sobre homossexualidade humana empregue o substantivo masculino “problema” para explanar sua posição. Entretanto, a matemática não se apresenta assim tão exata, tampouco simples neste caso.
Problema, senhoras e senhores, é o cabotinismo. Teorema sem solução. Problema é a desfaçatez de pessoas que arregimentam uma pseudo-ciência caduca para defender suas convicções, pixando o homossexualismo humano como antinatural. Argumento “patria potestas” (do poder pátrio) falho na origem: mamíferos em geral (e não só mamíferos como crustáceos e insetos) mantêm relações homossexuais entre si. Comprovado cientificamente este fato foi ilustrado pela exposição “Against Nature” realizada em 2006 no Museu de História Natural de Oslo, na Noruega.
Contudo, não precisamos ir tão longe comprovar um fato de conhecimento público. Qualquer sitiante que observe sua criação sabe disso desde a aurora dos tempos. Não se necessita um conjunto probatório científico para comprovar a verdade “antinatural” que a natureza exprime de forma gratuita sem dar ouvidos às reprimendas e ameaças dos charlatães morais. Mas reparem que intitulei este artigo com uma expressão latina: “Audi, vide, tace, se vis vivere in pace!” (Ouve, vê, cala, se quiseres viver em paz!) Não se trata de um conselho à toa: pois, se não observado à risca, poderia condenar quem contrariasse a Igreja à fogueira. Esperemos que tal não suceda com a presidente da Argentina Cristina Kirchner, que, de maneira justa e corajosa, defendeu o direito dos homossexuais á união civil com todos os direitos garantidos por lei. Quanto aos clérigos. Que não se metam a assuntos dos quais, como supostos celibatários, nada sabem: sexo não diz respeito unicamente ao físico, mas às emoções humanas, ao inconsciente. Que vão ler Friedrich Reich e Sigmund Freud para se ilustrarem. Porque embora a homossexualidade não seja comportamento antinatural entre primatas superiores (gorilas, orangotangos, homens e chimpanzés), a imbecilidade certamente é.



[1][1] Utilizando-se para isso do método provado eficiente pelo psicólogo norte americano Burrhus Frederic Skinner: O condicionamento operante. Ou, trocando em miúdos, a coerção, intimidação, a chantagem. Substitutivos modernos nem tão eficazes quanto o ordálio, o látego, a roda e a fogueira. Mantida acesa do século treze em diante por quase seiscentos anos pelo santo ofício para “purificar hereges”, mitigando-lhes a culpa por fornicação, bruxaria, possessão e demais crimes, patifarias inventadas pela camarilha clerical a fim de destruir a quem se opunha a suas abominações.

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