Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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9 de jul. de 2008

Nos tempos do Onça

“Há muito tempo/nas águas da Guanabara...”


O samba exaltação “O Mestre Sala dos Mares” autoria de Aldir Blanc e João Bosco fala sobre o líder da revolta da chibata em 1910. O marinheiro negro gaúcho, natural de Encruzilhada do Sul João Cândido...
Eu não sabia quem era João Cândido. Mesmo tendo ele nascido aqui ao lado da minha cidade natal. Não havia informação para mim sobre esta figura da história brasileira. Foi preciso um nativo das terras fluminenses (embora seja vascaíno roxo) despertar minha curiosidade. Aldir Blanc caboclo chefe do terreiro da Guanabara alertava para fatos que iniciaram na nossa vizinhança. Através dele, João Cândido o Dragão do Mar, o Almirante Negro teve voz outra vez.
Porém, meu contato inicial com a obra de Aldir deu-se pela televisão. Na década de setenta meus pais adquiriram nosso primeiro televisor. Um aparelho preto & branco, tela de 23 polegadas marca telefunken. Minha mãe fã das novelas não perdia um capítulo de “O Astro”. A novela, protagonizada pelo ator Francisco Cuoco, tinha como tema um bolero composto pela dupla Aldir Blanc & João Bosco. A música era Bijuterias, e me agradava demais. Há nela - tanto como em tantas outras parcerias de Aldir com João Bosco e outros compositores, um entrosamento perfeito. Verdadeira simbiose entre letra (poema) de Aldir Blanc e a melodia de João Bosco.
Eu tinha nove anos e já conseguia pôr reparo em como certas canções formavam uma espécie de “casamento indissolúvel” entre o som das notas vibrando dentro dos acordes – mesmo os dissonantes, e o soar das palavras, formando uma harmonia impecável. Movido pela curiosidade busquei outras canções assinadas por Aldir Blanc e João Bosco e assim topei com o LP “Tiro de Misericórdia”. Foi um tiro no ouvido o que escutei, mesmo sem possuir o alcance naquele momento para compreender a importância, abrangência e significado exato do que ouvia. Eram crônicas musicadas, poemas; muita informação. Relatos d’um momento histórico do país, ou flagrantes do universo carioca. Tudo me agradava muito...
Mais tarde, homem feito descobri-me compositor popular. Influenciado por Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Chico, Caimmy e outros mestres. Surpreendi-me tentando realizar de modo coerente casamentos sonoros que fizessem jus àqueles. Continuo tentando. A teimosia graça entre os compositores...
Contudo, tem sido um mistério pra mim como Aldir Blanc, poeta, cronista, músico (também compõe e interpreta suas próprias melodias) é capaz de letrar desvãos tortuosos, belos de João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Cristóvão Bastos? Como intenta, e consegue, renovar-se, reinventar-se, mesmo quando aborda um mesmo tema numa nova canção? Todo este talento não surgiu do nada. Não se lhe tirou a fórceps. Não foi um desejo súbito, uma veneta que lhe passou um dia: - Serei compositor popular, e dos bons. Nada disso. O dom veio de si. Também provável que o artista o tenha cultivado, exercitado. Que tenha lido, ouvido, assuntado. Enfim trabalhado com esmero e paciência. Mas, isso apenas, não explica. Ou se explica não justifica a pujança, o jorro de idéias, a dedicação. Talvez uma única palavra possa nos indicar pista sobre tamanha criatividade. Todo gênio de Aldir Blanc é um reflexo do amor. Só o amor desperta a generosidade de não caber-se em si.
Amor pelas pessoas, amor por sua terra, amor pela música, pela poesia, pela arte. Não um amor condescendente, tímido ou deslumbrado. Um amor de olhar atento. Crítico. Autocrítico. Consciente. Que abrange a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o Brasil, o mundo (real & mítico). Amor que vasculha no querer, no jeito de gostar da gente e está sempre pronto a nos encantar, comover, redimir. Amor que se compadece, mas que vigia, protege e não se acovarda. Que põe o homenzarrão com olhos úmidos frente à crueza do mundo. Às mazelas sociais, desmandos e injustiças. Que torna cronista da vida um homem afeito à alegria, à graça feminina, ao samba, ao carnaval, ao futebol.
Não é difícil elogiar Aldir Blanc até às raias do pedantismo no qual incorro sem mínima vergonha. Grande compositor, letrista, poeta, músico, cronista e acadêmico dos botequins. Aldir Blanc é acima de tudo um cidadão brasileiro de sobrenome “carioca da gema”.
A acrescentar quero dizer a ele:
- Pelo prazer da descoberta da música Bijuterias. Pelo subsequënte alumbramento que tua obra despertou naquele guri de nove anos, te agradeço. Aldir Blanc obrigado e sarava!

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