Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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16 de nov. de 2010

GRANDES ESPERANÇAS

...As bergamoteiras estão florindo agora. A primavera dá provas de que neste mundo as coisas ainda não chegaram a um ponto sem retorno para a natureza. Pensar assim parece tolo nos dias de hoje. Quando o desejo é saber quais são os próximos avanços da tecnologia. As bergamoteiras do quintal da casa de minha mãe, alheias a transgenia ignoram solenemente quaisquer pontos de vista alheios ao ritmo natural da vida.

Tenho sido acusado de muitas coisas. De ser egoísta e mesquinho. Indisciplinado e maledicente. Não sei quanta verdade há nessas acusações. Talvez haja verdade absoluta, afinal. Sob o ponto de vista do outro, na ótica do próximo, a imagem tida por nós mesmos como a certa atravessa prismas diferentes. É bem provável terem os outros uma visão mais precisa de nós mesmos. Nós sofremos do mal da auto-estima exagerada; o egocentrismo ou narcisismo. Portanto, sempre tendemos condescendência para com todos os nossos defeitos; graves ou não. Estou aprendendo, todavia. Aprendendo que o desejo, como falava o Gautama é a mola da desarmonia. E ele impera sem freios. O desejo ávido por coisas. Metas, realizações pessoais. Aprendo o quanto é execrável evitar tornar o olhar sobre o outro. E quanto pesa compadecer-se dele. Por ser tal procedimento algo estranho aos dias presentes. E aos dias desde sempre. Eu. Tido na conta de um qualquer, um reles – por certo sou um qualquer no sentido de não ser mais nem melhor do que nenhum outro homem comum. Eu me entristeço. Só me entristeço... E buscaria refúgio no isolamento não fosse tal coisa um ato covarde. Os homens estão à procura de si mesmos lá fora. Eu me encontrei aqui dentro de mim. Nas deficiências de um ego imaturo – que é ser maduro afinal? Se for ouvir a razão, se for ser sensato, se for controlar a ira, então não sou tão verde assim. Mas, é essa a imagem cultivada por mim, e ela pode estar errada à vista do outro. O outro existe e está atento. Talvez por ser tão mais sábio, experiente e nobre, ele, ao contrário de mim seja incapaz de abdicar das coisas mais caras. Eu abdico em favor do outro. Não por altruísmo. Não por covardia. Justo o contrário. Por me sentir cansado de martelar diariamente o tresmalho das minhas aflições. E elas são tantas. Tantas. Sendo o outro, o próximo, invariavelmente, o alvo da minha preocupação. Entretanto, não sou douto em coisa nenhuma. Não sou estudioso das necessidades do povo, como uns e outros fariseus. Religiosos, portanto políticos. Políticos, portanto abutres. Abutres, e, por conseguinte carniceiros que afundam os bicos aduncos na carne morta e pútrida da "res publica". A coisa pública que não é de ninguém quando a responsabilidade chama e exige. A coisa que é de todo mundo no momento próximo a se obter alguma, pequena que seja, vantagem. A honra, e ao prestígio eu abdico em favor do outro. Sem susto. Embora seja consciente de que escrever este artigo seja um ato de grande vaidade.

Mas não é a mesma vaidade que levou Teresa de Calcutá a arrecadar fundos para os pobres da Índia. E os fundos arrecadados em vez de se transformarem em hospitais, escolas e creches desabrocharam no milagroso surgimento de conventos e outras inutilidades. Minha vaidade grita de dentro da sua tumba. A sua sepultura é nada menos que a consciência das necessidades do outro. Não por altruísmo, mas por pudor. Vergonha de enxergar meu semelhante degradado. Vergonha de vê-lo exercitar a paciência ou a aflição diária da miséria. Senhoras e senhores, isto aqui não é a Índia. Nem sou Mahatma Ghandi. Pelo menos ainda não é a Índia, nem o Haiti como cantam Gil e Caetano. Mas os pretos, os mulatos, os pardos e os brancos que são todos pobres e de tão pobres todos pretos, continuam levando porrada. E vão continuar levando porrada, porque são pretos, pardos, mulatos e brancos; e tão pobres. E eu vou continuar me incomodando com isso meus senhores. Até chegar o dia quando nada mais importará. Por obra da derrocada ou, quem sabe? D'uma mudança nos ventos da história fazendo com que nos tornemos mais civilizados. Como as formigas...

Convivendo bem com as formigas que pastoreiam seus rebanhos de pulgões sobre as suas folhas, as bergamoteiras estão sonhando já com a madureza dos frutos que rebentaram. Alheias a minha gula por eles elas aceitam com prazer o sobrevir do sol e da chuva com igual satisfação. Entretanto, como homem comum. Como cidadão e pessoa habitante deste mundo eu não encontro a mesma satisfação nas coisas que vejo. Rogo para que numa outra primavera tudo possa estar melhor. Afinal, como homem comum, a exemplo do personagem do mestre Charles Dickens eu tenho grandes esperanças.



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