Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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29 de dez. de 2009

IMPRENSA MARRON GLACÊ!

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A imprensa cachoeirense no início do século XX, tal como hoje, agia de maneira sensacionalista e covarde. Sempre ao lado dos poderosos no intuito de auferir algum lucro ou se beneficiar da posição de seus patronos. Ao povo, raia miúda, tratava de espinafrar apontando-lhe o ridículo da vidinha turra. Nada além do que a busca constante e sem sucesso por parte do povo em galgar classe, status, melhorar de vida, frequentar a alta sociedade. Tal ambição só fazia com que os populares se tornassem ridículos aos olhos da classe média, embrionária no município nos idos de 1900. Voltando à imprensa local, nada mudou na realidade. Era vituperina, parcial, amadora & sensacionalista. Vivia do escândalo, do chiste e da anedota. Caricatura social que realizava sempre em desfavor daqueles menos aquinhoados.

Quando aludia à personagens ou episódios envolvendo gente preta, tratava de conferir ás notas e notícias um caráter picaresco. Ao mesmo tempo se esforçava em aplicar ao texto certo tom apaziguador emprestando muita vez á narrativa um notável sentimento paternal.
Dirigindo-se aos leitores, os colunistas tingiam com cores brandas o negror do preto tirando-o do contexto social no qual realmente estava inserido. Deslocando-o de sua realidade fosse para bem ou para mal, a tônica era o exagero. Fazendo com que o elemento negro ou mestiço parecesse, sob qualquer circunstância, à sua feição, um tipo ideal boçal e caricato. Porém, a verdade espelhada pela comunidade cachoeirense, vez ou outra era transcrita crua nas notas da seção policial. Onde elementos de cor, fossem pretos, índios ou mestiços (bugres e pardos), invariavelmente figuravam no papel de desocupados, arruaceiros, prostitutas, pichelingues. Desordeiros para com os quais a sociedade branca cachoeirense não demonstrava nenhuma tolerância nem reservava lugar. Outrossim, essa sociedade se divertia à custa dos acontecidos: bulhas, arruaças e estrepolias perpetrados por aquelas criaturas sem direito à classe social.
No tocante ao tratamento paradoxal deferido aos elementos de baixa classe, fossem pretos ou não. Tudo dependia da serventia que esse ou aquele grupo de pessoas de baixa extração social tivesse, e, sobretudo, quanta humildade demonstrasse no acatamento dos mandos de seus superiores. Assim sendo, os "beneméritos" que empregavam lavadeiras como Tia Comba louvavam suas qualidades pelo simples fato dela mostrar-se cordata, e receber em paga de seus préstimos a quantia que os patrões achassem adequada, sem reclamar. Exaltavam suas virtudes para que seu comportamento servisse de exemplo a outros negros, na sua grande maioria desajustados não subservientes aos patrões.
De outra sorte os jornalistas eram ávidos por alarido. Percorriam as ruas diuturnamente esperançosos de que os pretos e mestiços, de natureza inquieta, buliçosa, promovessem seus "banzés" e arruaças. Fatos que rendiam notícia e posterior comentário ensejando a resenha pública, o que garantia manter "quente" o assunto por alguns dias e assim vender mais jornal. Essa espécie de seriado noticioso atiçava a curiosidade a respeito das figuras de modos tão díspares que habitavam longe nas periferias do entorno da cidade.
Porém o costume de apadrinhamento exercido pelos "dignitários da cidade" para a sorte de alguns negros e mulatos, acabou por gerar cisão entre entre as camadas mais pobres da população. Pois, aqueles afortunados sob tutela das famílias ricas ou remediadas passaram a arrogar-se diferentes dos demais pobres. Acontecia, muitas vezes, de que o filho de uma empregada fosse tutelado e feito educar formalmente em bons colégios. Esses patrões investidos na figura de verdadeiros mecenas liberais tudo faziam a fim de demonstrar sua prodigiosa bondade para com os menos favorecidos. Todavia, os limites para essa benemerência eram estreitos. Bastava uma pequena falta, um leve aborrecimento provocando desgosto em alguém da família e o sonho do preto bem tratado desmoronava. A liberalidade de fachada da elite cachoeirense, no exercício pernóstico da sua hipocrisia velada, admitia lançar suas benesses só até onde a conveniência alcançasse.

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