Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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3 de out. de 2008

Só ando em boa companhia




Sinto intuitivamente os bons e maus momentos de um escritor mesmo antes do término da leitura da primeira página. Pressinto quando teve preguiça, tédio, cansaço, distração ou medo. Percebo ao longo do texto quando usou de coragem, ousadia, persistência (afinco), obstinação; de que são feitos os bons livros. E luz interior, transcendência, que ocorre com muito mais raridade.
Arrogo-me essa “clarividência” baseado em minha própria obsessão pela leitura. Dos cinco anos em diante devorei todo material impresso quanto me caiu às mãos. Ler passou a mim como um hábito hereditário – se é possível tal coisa. Meus pais foram leitores devotados durante toda vida. Seu gosto pelos livros e os estímulos para despertar em mim a mesma paixão surtiram efeito. Tanto meu pai quanto minha mãe habitualmente liam para mim.
Lembro que eu e meu pai colecionávamos juntos álbuns de figurinhas; cromos educativos. Era muito agradável abrir os pacotinhos trazidos por ele ao final das tardes na vinda do trabalho. Meu pai era barbeiro. Quando chegava em casa à noitinha abríamos os envelopes de figurinhas e separávamos as repetidas colando no álbum os cromos inéditos. Além das coleções de figurinhas, duas vezes por mês meu pai trazia um calhamaço de publicações: Enciclopédias em fascículos, livros de história, literatura, recreativos e é claro, revistas em quadrinhos de estilo variado. De Tio Patinhas à Mônica, Super Homem, Contos da Cripta, entre outros tais...
Dos livros me lembro do fascínio sentido ao ler As viagens de Gulliver, Vinte mil léguas submarinas, As aventuras de Tom Sawyer, Reinações de Narizinho, A ilha do tesouro e Moby Dick de Herman de Melville que li aos 11 anos entre pasmo e assustadiço. Totalmente maravilhado. Imerso naquela fábula espetacular quase como se fizesse pare da tripulação do lúgubre baleeiro Pequod sob as ordens do medonho, sinistro capitão Ahab. Magnificamente interpretado no cinema por Gregory Peck.
A atmosfera mágica dos livros exercia sobre mim o poder de transportar-me para o além mundo dos lugares descritos nas estórias. Através dos livros viajei a sítios famosos como o Taj Mahal, ou mergulhei noutras dimensões do espaço tempo como a Roma nos tempos do imperador Adriano, à cidade proibida de Kublai Khan, ao Egito a época de Sinuhe, médico na corte faraó conforme narrado e descrito de forma exuberante no livro O egípcio do exuberante Mika Waltari. Por intermédio da literatura pude experimentar um sem número de vezes as mais intensas e radiantes emoções. Fui órfão nas páginas de Grandes esperanças de Dickens. Era um nacionalista ingênuo, inflamado nas páginas d’O triste fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto. Vivenciei o imperador romano justo e diligente em Memórias de Adriano de Marguerite Youcenar. Experimentei a delícia (preguiça& lassidão) encarnada no “herói sem caráter” Macunaíma do genial Mário de Andrade. Transpus as fronteiras do planeta viajando nas narrativas de Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke. Vivi cada parágrafo com emoção e singularidade. Tomei tanto gosto pela arte narrativa a ponto de ensaiar minha própria literatura. Não bastasse isso, pela boca bendita de todos os poetas me descobri, ou como diria o mestre Ferreira Gullar “me inventei” compositor de música popular. Saravá!

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