Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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20 de dez. de 2008

Uniformidade X Diversidade




Sem pudor nenhum o sistema sócio-político contaminado pelo ideal positivista do Brasil República negou ás populações marginais (negros, índios, brancos pobres e mestiços) direito a inserção correta e justa de seus papéis na história. E foi além: Não se preocupou, conforme passava o tempo, em corrigir as distorções e retificar os mal contados. Deixou abater sobre toda gente humilde a pecha da preguiça, da pachôrra, do comportamento desajustado em sociedade. Difamou acintosamente a etnia africana, quando de modo inexplicável representantes da intelectualidade contemporânea fizeram coro com autores antigos cuja opinião distorcida não poderia expressar verdade científica, ao concordarem com esses sobre a baixa capacidade intelectual do elemento negro.


Suponho que os maus aparelhados pesquisadores e folcloristas de antanho tomassem por base para essas constatações aberrantes os estudos não menos escabrosos de canalhas pseudo-científicos como o alemão Franz Joseph Gall e o italiano Cesare Lombroso. Entre outras coisas, esses pichelingues da ciência pretendiam avaliar sem erro características psicológicas humanas simplesmente correlacionando as medidas de partes do corpo do investigado.


Anotadas as diferenças assimétricas entre crânio, face e mandíbula, por exemplo, os tais "doutores" estavam aptos a determinar se o indivíduo sob exame tinha propensão para o crime em alto ou baixo grau, e que tipo de personalidade ele apresentava.


Se não fosse trágico seria cômico. Pensar que tais embusteiros taxassem como anormais aqueles em cujas faces e membros não encontrassem a proporção áurea, ou "número de ouro". Uma constante algébrica encontrada nas figuras pintadas por mestres renascentistas. Todos eles, pintores renascentistas e pseudo-cientistas representando então um corpo de jurados da elegância, espécie de juízes da beleza. Estetas tão refinados a ponto de discordarem da natureza no que consideravam falha e imperfeição.


Imaginemos um indivíduo baixo, talvez menos de um metro e sessenta. Compleição física magra, rosto afilado, orelhas desproporcionais, bigodes generosos, cabeça enorme ostentando vasta calva. Esta descrição bem poderia se aplicar a um sujeito proveniente de uma das tantas etnias da África. Entretanto enquanto descrevia o gajo eu pensava em Rui Barbosa "a águia de Haia", patriarca da intelectualidade do Brasil. Certamente tinha lá uma mistura de sangue, mas era reconhecido como branco. Sem dúvida era uma pessoa fisicamente assimétrica, que pela lógica torpe dos antropometristas Lombroso, Franz Gall e seus sucessores, preenchia todos os requisitos para ser classificado como psicologicamente perturbado, intelectualmente débil, e, certamente um facínora.


Deformidades e imperfeições físicas nãopredestinam ninguém a tornar-se mau caráter ou boçal. Que os negros apresentassem, após a abolição, comportamentos não condizentes ao que os brancos esperavam deles é algo justificável. Não pela índole, e sim pela reprodução do modo de vida e do tipo de sociedade em que viviam na África. Passado como Herança cultural aos nascidos no Brasil por seus genitores.


Diagnosticar, seja por que motivo for, indolência, preguiça e outras mazelas nos afro-descendentes a partir da observação de um comportamento anômalo às vistas da sociedade branca torna-se feito, no mínimo, temerário.


Se a princípio os ex-escravos não se mostravam diligentes empreendedores, isso merece uma investigação muito mais aprofundada. Em suma, no tocante à capacidade intelectual dos afro-descendentes em solo brasileiro mostrar-se baixa conforme afirmam alguns dos nossos etnógrafos, sociólogos e historiadores contemporâneos eu discordo veementemente. Para os interessados em se aprofundarem nessa e noutras questões pertinentes ao tema sugiro a leitura das obras do professor e historiador Mário Maestri.