Casa d'Aldeia é a casa original, a mais antiga habitação de minha cidade natal Cachoeira do Sul. Habitação, que, igual a cidade, apesar de tantos golpes de vento e borrascas sazonais teima em manter ao menos duas paredes de pé. Casa d'Aldeia é a minha casa. Seja bem vindo a ela!
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22 de nov. de 2008

Hoje acordei frustrado...


Porto Alegre, 22 de Novembro de 2008

Hoje acordei frustrado...
Uma tristeza de descrente pairava sobre minha aura...
Um humor perverso me assolava e se anunciava perigoso, sorrateiro, vigiava minha frustração esperando a brecha para penetrar em meu íntimo e dali infernizar a mim e a todos a minha volta. Ainda sinto o cheiro dele, está por perto, bem perto... Houve um momento em que se apossou de mim, e obteve ajuda, se fortaleceu e num só golpe invadiu também minha companheira... Acho que agora está lá com ela... Não tenho certeza, mas não está comigo... Um amigo me puxou na hora exata, me fez retornar pra lúgubre frustração em que eu me encontro desde o despertar... Vamos a ela então.
Na infância os sonhos dominam o universo do nosso desejo, tudo é novo e desejável, tudo um dia estará ao alcance das mãos, sabemos disso e não nos preocupamos em delinear algum caminho entre nós e o objeto de nosso desejo, sabemos que um dia será possível, não existem sonhos impossíveis para uma criança, uma vez que não vislumbramos obstáculo além da própria infância, que sabemos, não permanecerá conosco muito tempo...
Chegamos à adolescência e os sonhos ganham novas proporções, mais tangíveis agora, porém não menos difíceis... Agora percebemos a distância, o caminho a ser percorrido, e, por mais longo que seja, sabemos que é possível, sabemos que temos a força, a coragem e as pernas que nos carregarão por qualquer caminho que optemos em seguir, existe a frustração natural de saber que não era apenas a infância que nos separava dos nossos sonhos, e existe um receio de que outra surpresa desagradável como essa se apresente mais a frente, e que ao superarmos o novo obstáculo que até então desconhecíamos, outro surja. Mas, se a infância acredita que tudo será solucionado simplesmente com o romper da adolescência, esta, um pouco mais sensata, sabe que precisa construir um caminho para ajudar o adulto a caminhar, e julga que isto será o suficiente, preparar o adulto, dar-lhe ferramentas, experiência (que afinal é o que o transformará em adulto), e ele saberá como alcançar os sonhos...
Enfim, todos os sonhos e esperanças da criança e do adolescente pesam sobre os ombros deste adulto, foi tão demorado chegar aqui, tivemos que adiar tantos planos, agora é a hora da realização, não achamos a quem transferir essa responsabilidade, não há mais tempo para prorrogar nossas realizações, seria impensável transmitir a responsabilidade e os prazeres adjuntos dos nossos sonhos a um velho. Não! Tem que ser agora! Exatamente agora, mas um agora exatamente depois de resolver o agora, pois o que tem estado no futuro desde a infância, lá permanece, o agora é outro, o presente é imediato, não sonha, sequer dorme direito. O presente tem fome, tem frio, tem que se abrigar do tempo e tem que abrigar aos seus, cuidar da fome e do frio destes também, crianças e adolescentes cheios de sonhos que serão realizados quando se tornarem adultos, é preciso manter esses sonhos vivos, e é preciso manter o adulto sonhando com o futuro enquanto cuida do presente... E no presente ele sonha de no futuro solucionar todos os problemas do presente...
Em alguns momentos o adulto consegue dormir, e quando dorme descansa, e descansado se põe a sonhar (as vezes sonha acordado e cansado mesmo, pois é preciso sonhar mesmo insone), e o sonho do adulto, embora muito diferente dos sonhos que o trouxeram até aqui, está muito mais próximo, quase dá pra tocar. Pois o adulto não se permite sonhar com coisas inatingíveis, seus sonhos são palpáveis, bastam alguns pequenos detalhes para alcançá-los, faltam apenas alguns passos, e muito mais que a criança (que teria que esperar acabar a infância) e o adolescente (que teria que construir uma estrada), o adulto se põe a sonhar intensamente, a planejar cada passo, a antever cada possível percalço e se prevenir para cada um deles. Ou seja, agora temos um plano, não mais sonhos, agora sabemos o que fazer, se não temos as ferramentas todas, sabemos onde adquirir, sabemos quem pode nos ajudar, estamos prontos, enfim, nada pode nos deter agora...
O adulto se vê então inundado de fé e esperança, o jogo começa a se desenhar a seu favor, já é possível vislumbrar cada passo, diferente dele mesmo anteriormente, quando criança e adolescente, ele sabe que pode, sabe até como, falta muito pouco, um detalhe...
E como um jogador de Poker ele se vê forçado a apostar toda sua expectativa (e as vezes todas as fichas) nesta jogada. O jogo é dele, após muitas rodadas ele tem uma mão perfeita... Digamos que ele começa com um par de “Ases”, aposta um pouco, surgem as cartas e são um “Ás”,um “3” e um “6”, agora ele tem uma trinca, as outras cartas são mais baixas que as dele e nenhuma repete, ele sabe que tem a melhor mão da mesa, aposta... E surge um “J”, ainda está tranqüilo, a não ser que venha outra carta “3”, “6” ou “J”,ou ainda alguma que ajuda a completar uma seqüência, pode ter certeza de que a mão é dele, o coração está acelerado, as fichas tremem quando ele as lança à mesa, só falta uma carta e é um “K”, ele sabe que ganhou, ele tem a melhor mão da mesa e aposta tudo, eufórico, sem pensar... E perde! Como? Como? Como ele não percebeu que três das cartas na mesa eram do mesmo naipe? Como ele não cogitou a possibilidade de um FLUSH? Como ele pode ser tão burro? Agora perdeu tudo, principalmente o sonho...
Mesmo que ele tivesse vislumbrado a possibilidade de outro jogador ter um FLUSH, ele teria a obrigação de apostar, é assim o jogo, se quer ganhar aposte, e pode ser que perca... No momento em que o adulto vislumbra uma oportunidade única (a oportunidade única costuma acontecer poucas vezes), ele se vê obrigado a apostar, de dentro dele duas vozes o impelem a isto, a criança e o adolescente. O primeiro lhe diz: “Eu sonhei por ti, agora é a tua chance de realizar meu sonho”, o segundo completa: “Eu te trouxe até aqui, não vá amarelar agora que estamos tão perto”, e ouvindo sabiamente suas vozes interiores o adulto se lança ao encontro da sorte (ou seria de encontro à sorte?).
Esse passo inevitável faz ressurgir a ingenuidade da criança, a impulsividade do adolescente e a frustração de três gerações decepcionadas, não sabem nem com quem... Com o mundo talvez...
É a sensação terrível de ter feito tudo certo (tudo?)...
Está bem, falhamos em algum ponto, mas fizemos “quase” tudo certo...
A quem podemos culpar? A nós mesmos?
Se fizemos quase tudo certo?
Ao mundo que não tolera o “quase”?
Não, não há culpados, fizemos o que podíamos ter feito, sempre é possível melhorar, mas NÓS, NESTE MOMENTO, fizemos o que podíamos ter feito, fizemos o melhor de nós, apostamos nossa melhor energia, nossa mais ingênua expectativa, fizemos o que sabíamos fazer enfim, não poderíamos fazer mais que isso...
Tão pouco podemos culpar o mundo e as leis que o regem, ele também está fazendo o melhor que pode, talvez não seja o melhor pra nós, mas certamente é o melhor pra ele, e s nós fazemos parte dele, em última análise também é o melhor pra nós.
As pessoas que nos cercam poderiam ter ajudado mais?
Claro que sim, se não estivessem envolvidas com seus próprios problemas, seus próprios sonhos irrealizados, suas crianças e adolescentes aguardando ansiosos a hora de gritar “APOSTE AGORA”!
E é nisto que se resume a frustração, uma tristeza sem culpa e sem ter a quem culpar, uma certeza de ter agido certo e ter se dado mal...
Uma vontade de não acordar, de seguir dormindo, e de poder sonhar, pois nada é mais necessário do que sonhar outro sonho, um sonho palpável, com caminhos delineados que nos levem até ele... É preciso substituir o sonho morto por um novo, jovem, cheio de vigor.
Vou dormir agora novamente...
Nem bem acordei, mas já vou dormir novamente...
Preciso refazer meus sonhos, arquitetar meus planos, organizar minhas ferramentas... E o mais difícil... Medir as pessoas pra saber com quem contar, pois é preciso não estar sozinho, mas é preciso cuidar de não querer que as pessoas sonhem o sonho que é meu, e de não frustrá-las ao me frustrar...
Agora vou dormir...
Hoje acordei frustrado...